sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Ontens e hojes







Ontens e hojes,
amores e ódio,
adianta consultar o relogio?

Nada poderia ter sido feito,
a não ser o tempo em que foi lógico.

Ninguém nunca chegou atrasado.
Bençãos e desgraças
vem sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.

Acaso é este encontro
entre tempo e espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que faço?




 Atraso Pontual - Paulo Leminski 


quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Eu só brinco quando é muito sério





Eu só brinco
quando é muito sério
é muito sério ser
o teu brinquedo

Não tem mistério
não tem segredo
quando a gente brinca
quando a coisa é
o teu limite

É tão perfeito
quando ser brinquedo
pode ser tão sério
Pode haver um dia
em que a poesia
mude de endereço
deixe apenas tédio
mas enquanto isso
vem brincar comigo
vamos até onde
possa ser só riso
possa ir tão longe
possa ser tão lindo
pode ser ser tão sério


Quando eu brinco ... Brinquedo Sério de Alice Ruiz/Olhares

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Música... Alimento do amor




Se a música é o alimento do amor não parem de tocar.
 Dêem-me música em excesso; tanta que,
depois de saciar, mate de náusea o apetite.



William Shakespeare

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O que interessa são os sonhos


Há quem diga que todas as noites são de sonhos...
Mas há também quem diga nem todas...
Só as de verão...
Mas no fundo isso não tem muita importância...
O que interessa mesmo não são as noites em si...
São os sonhos...
Sonhos que o homem sonha sempre...
Em todos os lugares, em todas as épocas do ano...
Dormindo ou acordado...

William Shakespeare

sábado, 25 de dezembro de 2010

Cantiga dos Pastores ao menino Jesus


À meia noite no pasto,
guardando nossas vaquinhas,
um grande clarão no céu
guiou-nos a esta lapinha.

Achamos este Menino
entre Maria e José,
um menino tão formoso,
precisa dizer quem é?

Seu nome santo é Jesus,
Filho de Deus muito amado,
em sua caminha de cocho
dormia bem sossegado.

Adoramos o Menino
nascido em tanta pobreza
e lhe oferecemos presentes
de nossa pobre riqueza:
a nossa manta de pele,
o nosso gorro de lã,
nossa faquinha amolada,
o nosso chá de hortelã.

Os anjos cantavam hinos
cheios de vivas e améns.
A alegria era tão grande
e nós cantamos também:

Que noite bonita é esta
em que a vida fica mansa,
em que tudo vira festa
e o mundo inteiro descansa?

Esta é uma noite encantada,
nunca assim aconteceu,
os galos todos saudando:
O Menino Jesus nasceu!

 
Cantiga dos Pastores
Adélia Prado

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Para o natal embrulhe palavras com luz





Para o Natal reserve os mais belos
gestos,
a dança mais cristalina,
escolha uma estrela longínqua,
que ainda não tenha sido descoberta,
para enfeitar a festa.

Embrulhe palavras com luz
e oferte a quem ama:
não há presente mais certo.

E que caibam na mesa
os que já se foram,
os que ainda não chegaram
e os que enchem a casa de sol.

Para o Natal pinte as mãos
com sua cor preferida
e distribua beijos
como vagalumes
para lembrar o homem
que nesta hora, em algum lugar
distante no tempo,
transformava água em vinho
e multiplicava os peixes.


Roseana Murray

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Não faça pouco caso das horas




Sou o Tempo que passa, que passa,
Sem princípio, sem fim, sem medida!
Vou levando a Ventura e a Desgraça,
Vou levando as vaidades da Vida!

A correr, de segundo em segundo,
Vou formando os minutos que correm . . .
Formo as horas que passam no mundo,
Formo os anos que nascem e morrem.

Ninguém pode evitar os meus danos . . .
Vou correndo sereno e constante:
Desse modo, de cem em cem anos
Formo um século, e passo adiante.

Trabalhai, porque a vida é pequena,
E não há para o Tempo demoras!
Não gasteis os minutos sem pena!
Não façais pouco caso das horas!

 

O tempo
Olavo Bilac

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Leva o arco-íris em cada fio de cabelo...




A menina translúcida passa.
Vê-se a luz do sol dentro dos seus dedos.
Brilha em sua narina o coral do dia.

Leva o arco-íris em cada fio de cabelo.
Em sua pele, madrepérolas hesitantes
pintam leves alvoradas de neblina.

Evaporam-se-lhe os vestidos na paisagem.
É apenas o vento que vai levando seu corpo pelas alamedas.
A cada passo, uma flor, a cada movimento, um pássaro.

E quando pára na ponte, as águas todas vão correndo,
em verdes lágrimas para dentro dos seus olhos.


AR LIVRE
Cecília Meireles, in Retrato Natural

sábado, 18 de dezembro de 2010

Não te amo com meus olhos



A verdade é que não te amo com meus olhos
que descobrem em ti mil defeitos,
mas com meu coração, que ama 
o que os olhos desprezam.







Shakespeare

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Sonho que sou Poetisa





Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Florbela Espanca

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Enfeite-se com margaridas


Enfeite-se com margaridas e ternuras
e escove a alma com flores
com leves fricções de esperança
De alma escovada e coração acelerado
saia do quintal de si mesmo
e descubra o próprio jardim.




Artur da Távola

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Se eu gosto de poesia?





Se eu gosto de poesia? - Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está contida nisso tudo.



Carlos Drummond de Andrade

sábado, 11 de dezembro de 2010

A noite mais bonita

Fico emocionada sempre que me recordo desta canção.  Eu tinha 08 anos na época, e os meus natais ficaram ainda mais "doces" depois desta canção.

O Jingle de natal do Banco Bamerindus: A noite mais bonita,  foi criado e produzido em 1974, por Tereza Souza e Walter Santos, fundadores do Nossoestúdio. O comercial foi ganhador da medalha de ouro na categoria Melhor Mensagem de Natal no VIII Prêmio Colunistas Nacional 1975 e a interprete chama-se Ivete.


 

O menino chega e por amor vai renascer.
Traz nas mãos uma esperança e sorri pois é Natal.
E no mundo inteiro a mesma canção de amor e paz.
Que se faz tão doce como o amanhecer.
Quem me dera o ano inteiro o Natal dentro de nós.
E para toda a gente a mesma canção, e a mesma voz.
Hoje a festa mais bonita é viver, é querer bem!
 O presente mais bonito é viver, é querer bem!










sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O natal existe - soldadinhos e bonecos de neve

Não temos como ficar indiferentes ao Natal. Fique absolutamente encantada com estes enfeites para porta.

Latas transformam-se em boneco de neve






Projeto do blog Bugaboo mini mr me


Vasos transformam-se em soldadinhos





Projeto do blog  C.R.A.F.T - Creating Really Awesome Free Things

Passo a passo - Soldadinhos
Passo a passo - Bonecos de neve


Fonte: Ana Claudia Cavalcanti - Design de Interiores

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Quando o amor vos fizer sinal



Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis.

E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem vos possa ferir.

E quando vos falar, acreditai nele;
apesar de a sua voz poder quebrar os vossos sonhos,
como o vento norte ao sacudir os jardins...


Gilbran Khalil Gibran

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O livro dos livros



O mais singular livro dos livros
É o Livro do Amor;
Li-o com toda a atenção:
Poucas folhas de alegrias,
De dores cadernos inteiros.
Apartamento faz uma seção.
Reencontro! um breve capítulo,
Fragmentário. Volumes de mágoas
Alongados de comentários,
Infinitos, sem medida.
Ó Nisami! - mas no fim
Achaste o justo caminho;
O insolúvel, quem o resolve?
Os amantes que tornam a encontrar-se.

 


Livro de leitura
Johann Wolfgang von Goethe

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Aceitarás o amor como eu o encaro?...




Aceitarás o amor como eu o encaro?...
... Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada.
Não desejo Também mais nada,
só te olhar, enquanto A realidade é simples,
e isto apenas.

Que grandeza... A evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições.
O encanto que nasce das adorações serenas.



Mário de Andrade

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Casado, continuo a achar as mulheres irresistíveis.


Casado, continuo a achar as mulheres irresistíveis.
Não deveria, dizem.
Me esforço. Aliás,
já nem me esforço.

Abertamente me ponho a admirá-las.
Não estou traindo ninguém, advirto.
Como pode o amor trair o amor?
Amar o amor num outro amor
é um ritual que, amante, me permito.

Fascínio
Affonso Romano de Sant'anna

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

E nunca chegamos ao fim da taça



E nunca chegamos ao fim da taça,
Por mais que a esvaziemos.
Agora, sei que isto é amor...




J G de Araujo Jorge

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Amor e medo




Estou te amando e não percebo,
porque, certo, tenho medo.
Estou te amando, sim, concedo,
mas te amando tanto
que nem a mim mesmo
revelo este segredo.


Affonso Romano de Sant'Anna

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem



Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado para mulher,
esta espécia ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.

Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.



Com Licença Poética - Adélia Prado
Baseado no Poema de sete faces - Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O que eu amo em ti



O que eu amo em ti
não é esse jeito de cereja
e esse olhar de seis da tarde
não é essa mania de andar bolerodiando
nem mesmo a tua educadez
O que eu amo em ti
não é essa tua boca de vinho...
...
Nem mesmo o que eu amo em ti
é a tua gargalhada
que transpassa meu ouvido
cheia de espuma e sol de agosto
com gosto de aventura
ou o teu beijo
que cada vez me sabe a uma coisa
mas é sempre tão beijável.
 ...
Nessa sucessão constante de agoras
o que eu amo em ti
não é o que refletes de improviso
nem é o inesperável
nem o superalgo

O que eu amo em ti
...são as rugas, meu amor, as rugas...

Bruna Lombardi - Parodiando
Paródia do poema de Manuel Bandeira - Madrigal Melancólico

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Esperar-te



Ah, ficar a te esperar
é, a um só tempo, viver
a angústia de te perder
e a alegria de te encontrar...



J G de Araujo Jorge

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Ensinamento



Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
Adélia Prado

sábado, 20 de novembro de 2010

Silêncio amoroso



Deixa que eu te ame em silêncio
Não pergunte, não se explique, deixe
que nossas línguas se toquem,
e as bocas e a pele
falem seus líquidos desejos.

Deixa que eu te ame sem palavras
a não ser aquelas que na lembrança ficarão
pulsando para sempre
como se o amor e a vida
fosse um discurso
de impronunciáveis emoções.
Silêncio amoroso I
Affonso de Sant'Anna

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Equação matemática


Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.


Arnaldo Jabor
Crônica do amor




quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Se descuidar, o amor te pega


O amor quer abraçar e não pode.

A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.

O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.

O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.

Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.

Tudo manha, truque, engenho:
se descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.

 


Corridinho - Adélia Prado

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Pacto


Entre o teu signo e o meu
existe uma possibilidade
de veneno
umas tintas de vermelho
meu moreno

e se a paixão há de ser provisória
que seja louca e linda
a nossa história.


Bruna Lombardi

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Te aprendo


Aprendo. Te aprendo, homem.
 O que a memória ama fica eterno.
 Te amo com a memória, imperecível.


Adélia Prado


sábado, 13 de novembro de 2010

A "duçura" das Rosas



 Quanta doçura inspira o nome Rosa. E me pergunto, como pode este nome encantar deste modo, a tantos poetas?
Para vocês, garotas chamadas Rosa, um poema de Patativa do Assaré... É claro que eu estou com invejinha!!!

Uma rosinha mostrando
 Sua beleza e perfume,
 Me olhava triste chorando
 Com inveja e com ciúme.

 Eu disse à pobre coitada
 Não tenha raiva de mim,
 Eu não sou disto culpada
 Foi Deus quem me fez assim.

 Você é rosa e eu sou Rosa,
 Por Rosa fui batizada
 E se eu nasci mais formosa,
 Eu não sou disto culpada.

 Se alegre com o que é seu,
 Ter inveja não convém,
 Você não é como eu
 Mas é formosa também.

  A rosinha no seu galho
  Me ouviu e se conformou,
  As suas lágrimas de orvalho
  A luz do sol enxugou.

 Patativa do Assaré
 Rosa e rosinha
Livro: Ispinho e fulo

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Gotinhas de humor



Um homem cumprimentou o outro, no café.
- Creio que nós fomos apresentados na casa do Olavo. 
- Não me recordo.
- Pois tenho certeza. Faz um mês, mais ou menos.
- Como me reconheceu?
- Pelo guarda-chuva.
- Mas nessa época eu não tinha guarda-chuva...
- Realmente, mas eu tinha...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Arte de amar



Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.

A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.
Deixa teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Música de brinquedo - Pato Fu

Pronto, confesso... Estou apaixonada pelo belíssimo trabalho do grupo Pato Fu em seu CD - Música de Brinquedo!!!

"E se…? O Pato Fu sempre levou a sério essa pergunta e sempre pagou pra ver. Dessa vez a pergunta foi: e se gravássemos um disco inteiro só usando instrumentos de brinquedo? Não um disco de música infantil, mas um disco de música 'normal' filtrada por essa sonoridade."

A música Primavera, conhecida na voz de Tim Maia ganha um contorno todo colorido e especial. Curta comigo o vídeo do You Tube.

Mais informações no site do Pato Fu.




sábado, 6 de novembro de 2010

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Um anjo me sussurra



Em cada precipício me sento
e um anjo me sussurra com calma
as encruzilhas,
as estradas desconhecidas.

Todos os meus anseios
estão em suas mãos
e com seu hálito me acalma,
me acalanta.

Durma, ele me diz, sentado
na beira de minha sombra,
não tenha medo dos sonhos.


Roseana Murray
in Carteira de Identidade, ed. Lê.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Momento ideal pra falar de sacanagem


Hoje é o momento ideal pra falar de sacanagem.
Mas nada de ménage à trois, sexo selvagem
e práticas perversas, sinto muito.
Pretendo, sim, é falar das sacanagens que fizeram com a gente.

Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer,
só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos.
Não nos contaram que amor não é acionado nem chega com hora marcada.

Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja,
e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade.
Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida
merece carregar nas costas a responsabilidade de completar
o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo.
Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável.

Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada "dois em um",
duas pessoas pensando igual, agindo igual, que isso era que funcionava.
Não nos contaram que isso tem nome: anulação.
Que só sendo indivíduos com personalidade própria
é que poderemos ter uma relação saudável.

Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório
e que desejos fora de hora devem ser reprimidos.
Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados,
que os que transam pouco são caretas,
que os que transam muito não são confiáveis,
e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto.
Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto.

Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz,
a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade.
Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas,
são alienantes, e que podemos tentar outras alternativas.

Ah, nem contaram que ninguém vai contar.
Cada um vai ter que descobrir sozinho.
E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo,
vai poder ser muito feliz se apaixonar por alguém.

Martha Medeiros

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Licença de dormir






Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.

Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente. Muito mais que raízes.

 

Adélia Prado


domingo, 31 de outubro de 2010

Abundância de ser feliz


Prezo insetos mais que aviões
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis

Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.

Tenho abundância
de ser feliz por isso
Meu quintal
É maior do que o mundo.

 

Manoel de Barros

sábado, 30 de outubro de 2010

Nebulosas



Tem pessoas que amamos
de amor tão intenso
que com seus gestos-palavras
vão fabricando nebulosas
dentro do corpo da gente
 


Roseana Murray
Poemas de Céu, ed. Paulinas

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Tu terás estrelas que sabem sorrir



Mais  um pouco desta delicadeza que é o Pequeno Principe:
As pessoas têm estrelas que não são as mesmas.
Para uns, que viajam, as estrelas são guias.
Para outros, elas não passam de pequenas luzes.
Para outros, os sábios, são problemas.
Para o meu negociante, eram ouro.
Mas todas essas estrelas se calam.

Tu porém, terás estrelas como ninguém...
Quero dizer: quando olhares o céu de noite,
(porque habitarei uma delas e estarei rindo),
então será como se todas as estrelas te rissem!

E tu terás estrelas que sabem sorrir!
Assim, tu te sentirás contente por me teres conhecido.
Tu serás sempre meu amigo (basta olhar para o céu e estarei lá).
Terás vontade de rir comigo.
E abrirá, às vezes, a janela à toa, por gosto...
E teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu.

Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!"

Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

No fundo, no fundo, bem lá no fundo...




No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.


Paulo Leminski

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Leilão de Jardim



Quem me compra um jardim com flores?
borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?

Quem me compra este caracol?

Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?

Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?

(Este é meu leilão!)

 
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