Sobre o prazer:
1- O prazer só acontece se o corpo tiver a posse do seu objeto. O prazer do sorvete só existe se houver um sorvete a ser lambido. o prazer do suco de pitanga só existe se houver suco de pitanga para ser bebido. O prazer do beijo só existe se houver a pessoa amada a ser beijada.
2- O prazer se farta logo. Quantos sorvetes sou capaz de tomar antes que ele se transforme de objeto de prazer a causa de sofrimento? quantos copos de suco sou capaz de tomar antes que o corpo diga: "Não agüento mais!"? Quantos beijos se pode dar antes de enjoar? O prazer tem vida curta. O evangelho do prazer reza:
"Bem aventurados os que têm fome porque serão fartos".
Sobre a alegria:
1- A alegria não precisa da posse do objeto desejado para existir. Lembro-me do rosto de um amigo - ele já morreu -, mas esta simples memória me traz alegria. Sentimos alegria lendo uma obra de ficção, um objeto que nunca existiu pode nos dar alegria. Que seres estranhos nós somos, capazez de nos alegramos comendo frutos inexistentes!
2- A alegria nunca se farta. A alegria pede mais alegria. Alegria é fome insaciável. Da alegria nunca se diz: "Estou satisfeito!" "Chega!" O evangelho da alegria é diferente do evangelho do prazer:
"Bem-aventurados os que têm fome porque terão mais fome"
Mas, vez por outra, a alegria e o prazer acontecem juntos. Quando isso acontece o corpo experimenta uma efêmera epifania do Paraíso: o divino se faz carne...
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Texto: Rubem Alves - Livro sem Fim
Imagem: Magritte
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