terça-feira, 30 de agosto de 2016

Querem uma Luz Melhor que a do Sol!







AH! QUEREM uma luz melhor que a do Sol! 
Querem prados mais verdes do que estes! 
Querem flores mais belas do que estas que vejo! 

A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me. 

Mas, se acaso me descontentam, 

O que quero é um sol mais sol que o Sol, 
O que quero é prados mais prados que estes prados, 
O que quero é flores mais flores que estas flores - 

Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira! 







Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 

Heterónimo de Fernando Pessoa 

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A liberdade




A liberdade é um vinho de excelência.
Não faz sentido que não o compartilhes.
A sedução de ambos ajuda-nos a viver,
é o perfume da pele, a pele do vento, 
o segredo com que a flor atrai a abelha.
As árvores amam-se, e até mesmo as pedras
partilham o amor entre si.
O verde perde-se de amor pelo azul.



Joaquim Pessoa

domingo, 28 de agosto de 2016

Cabelo de mulher





É doce perder-se nos cabelos duma mulher. 
É como criança a brincar na lama.
Os lisos nada têm a esconder, são o que os olhos podem ver: mechas curvadas e brilhosas, um convite para o desfrute das mãos e dos dedos.

Os crespos – ah os crespos! – como são rebeldes! A possuidora do cabelo crespo pode compensar a rebeldia da cabeça com a sutileza de sua personalidade. Já vi por aí, mundo afora, mulheres de cabelos lisos e mentes crespas.

Cabelo de mulher... seu cheiro, sua cor, sua forma; que alquimia de prazer!
Há os negros como a noite. Quando cacheados impõem seu poder de fera indomável.

Há os loiros angelicais – instrumentos do pecado – e o ruivo diabólico, que faz os olhos firmarem um pacto com a beleza.
Tantos são os tons da natureza! Não tão maior que o desejo do amante de mergulhar nos cabelos da amada. 

Cabelo de mulher.... Curto, comprido, não importa.
Um fio somente jogado no lençol, esquecido no travesseiro, colado contra o peito, diz mais que qualquer bilhetinho deixado de propósito.

O amor passa, as bocas se deixam, os corpos se largam e um único fio é capaz de denunciar a solidão.





André Anacoreta
 in Éramos Eros

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O Que Há





O que há em mim é sobretudo cansaço — 
Não disto nem daquilo, 
Nem sequer de tudo ou de nada: 
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
Cansaço. 
A sutileza das sensações inúteis, 
As paixões violentas por coisa nenhuma, 
Os amores intensos por o suposto em alguém, 
Essas coisas todas — 
Essas e o que falta nelas eternamente —; 
Tudo isso faz um cansaço, 
Este cansaço, 
Cansaço. 

Há sem dúvida quem ame o infinito, 
Há sem dúvida quem deseje o impossível, 
Há sem dúvida quem não queira nada — 
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 
Porque eu amo infinitamente o finito, 
Porque eu desejo impossivelmente o possível, 
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, 
Ou até se não puder ser... 

E o resultado? 
Para eles a vida vivida ou sonhada, 
Para eles o sonho sonhado ou vivido, 
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... 
Para mim só um grande, um profundo, 
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, 
Um supremíssimo cansaço, 
Íssimno, íssimo, íssimo, 
Cansaço...





Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Sou feliz só por preguiça







"Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer. – Levanta, ó dono das preguiças."








Mia Couto in 'Mar me quer'
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