Na vertigem do oceano vagueio
sou ave que com o seu voo se embriaga
Atravesso o reverso do céu e num instante
eleva-se o meu coração sem peso
Mia Couto
Há mulheres que trazem o mar nos olhosNão pela corMas pela vastidão da almaE trazem a poesia nos dedos e nos sorrisosFicam para além do tempoComo se a maré nunca as levasseDa praia onde foram felizesHá mulheres que trazem o mar nos olhospela grandeza da imensidão da almapelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...Há mulheres que são maré em noites de tardes...e calma"
Sophia de Mello Breyner Andresen.
São Francisco do SOL
São Francisco de AsSIs
São Francisco de LA
São Francisco tem DO de mim
Um SOL menor
LA fora
SI espalha
São Francisco do SOL
São Francisco de AsSIs
São Francisco de LA
São Francisco tem DO de mim
A mim que desde a infância venho vindo,
como se o meu destino,
fosse o exato destino de uma estrela,
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem,
amaria chamar-se Fliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho,
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome.
Gozar é fácil. Qualquer um pode.
Basta alguma imaginação e boa vontade.
Mas gozo bom, gozo de verdade, é gozo poético, gozo digno.
Aquele gozo de quem goza pelo gozo do outro, pela sua forma.
Gozo poético é gozo de quem olha no olho e sente,
enquanto come corpo, cabeça, olhar.
Porque não se esgota em um meio estético, material.
Come a alma, devora entranhas, mergulha em todos os meios líquidos, deslizando em cada pedaço.
Gozo digno é gozo falado, gozo sentido, gozo gozado.