quarta-feira, 30 de outubro de 2013

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Que seja doce...



Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce.
Quando há sol, e esse sol bate  na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo;
repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante.
Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.


(Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

descobre, desvenda


"Descobre, desvenda. Há sempre mais por trás.
 Que não te baste nunca uma aparência do real."







Caio Fernando Abreu
fragmento de "Dodecaedro Sétimo fragmento da décima terceira voz"

sábado, 26 de outubro de 2013

quem me feriu perdoe-me




Quando fui ferida,
por Deus, pelo Diabo, ou por mim mesma,
- ainda não sei - 
percebi que não morrera, após três dias,
ao rever pardais
e moitinhas de trevo.
Quando era jovem,
só estes passarinhos, 
estas folhinhas bastavam
para eu cantar louvores,
dedicar óperas ao Rei.
Mas um cachorro batido 
demora um pouco a latir, 
a festejar seu dono
- ele, um bicho que não é gente -
tanto mais eu que posso perguntar 
Por que razão me bates? 
Por isso, apesar dos pardais e das reviçosas folhinhas 
uma tênue sombra ainda cobre meu espírito.
Quem me feriu perdoe-me.


 

 
 
 
A cólera divina


Adélia Prado, do livro "O Pelicano",
[em Poesia Reunida], Rio de Janeiro: Editora Siciliano, 1991, p. 338.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Sou: estou e canto.



Sou: estou e canto.
Água de remanso
Cismo o sereno silêncio:
sou: estou humanamente
em paz comigo: ternura.

Paz que dói, de tanta.
Mas orvalho. Em seu bojo
estou e vou, como sou.

Ternura: maneira funda,
cristalina do meu ser.
Água de remanso, mansa
brisa, luz de amanhecer.

Nunca é a mágoa mordendo.
Jamais a turva esquivança,
o apego ao cinzento, ao úmido,
a concha que aquece na alma
uma brasa de malogro.

É ter o gosto da vida,
amar o festivo, o claro,
é achar doçura nos lances
mais triviais de cada dia.

Pode também ser tristeza:
tranquilo na solidão macia.
Apaziguado comigo,
meu ser me sabe: e me finca
no fulcro vivo da vida.

Sou: estou e canto.





  Thiago de Mello, em "Faz escuro mas eu canto"

Vem navegar na minha vida





Vem navegar na minha vida
Faça de conta que meu corpo é um rio,
Faça de conta que os meus olhos são a correnteza,
Faça de conta que meus braços são peixes
Faça de conta que você é um barco
E que a natureza do barco é navegar.
E então navegue, sem pensar,
Sem temer as cachoeiras da minha mente,
Sem temer as correntezas, as profundidades.
Me farei água clara e leve.
Para que você me corte lenta, segura,
Até mergulharmos juntos no mar
Que é nosso porto.
 


Caio Fernando Abreu
poema' escrito em carta a Vera Antoun 
(Londres, 09/01/74).
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