sábado, 26 de outubro de 2013

quem me feriu perdoe-me




Quando fui ferida,
por Deus, pelo Diabo, ou por mim mesma,
- ainda não sei - 
percebi que não morrera, após três dias,
ao rever pardais
e moitinhas de trevo.
Quando era jovem,
só estes passarinhos, 
estas folhinhas bastavam
para eu cantar louvores,
dedicar óperas ao Rei.
Mas um cachorro batido 
demora um pouco a latir, 
a festejar seu dono
- ele, um bicho que não é gente -
tanto mais eu que posso perguntar 
Por que razão me bates? 
Por isso, apesar dos pardais e das reviçosas folhinhas 
uma tênue sombra ainda cobre meu espírito.
Quem me feriu perdoe-me.


 

 
 
 
A cólera divina


Adélia Prado, do livro "O Pelicano",
[em Poesia Reunida], Rio de Janeiro: Editora Siciliano, 1991, p. 338.

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