segunda-feira, 31 de março de 2014

utopia




"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso:
para que eu não deixe de caminhar."




 
Fernando Birri

domingo, 30 de março de 2014

Esquecer

 


"Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino,
 para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito."






Machado de Assis
Verba Testamentária

sábado, 29 de março de 2014

as vezes eu minto


 
 
Um dia ele disse estar desconfiado de mim. 
Supôs que eu talvez mentisse.
Não sobre o cotidiano ou sobre fatos, mas mais por dentro.
Era da minha alegria e das minhas coragens que ele falava.
Ele dizia que tudo parecia organizado demais, fluido demais.
Dizia achar que meu sorriso escondia alguma dor.

Estava certo.
Não conto pra ninguém, mas não sou capaz de apagar o que minha memória escolheu guardar.
Ele percebeu então, que sou também esse viés. Que muitas vezes prefiro sorrir só pra não ter que contar toda a minha historia.

Verdade. Às vezes eu minto.
E ele sabe o que eu sinto, sempre e a todo instante. 
Os outros não, os outros só imaginam.

Pedi então, que ele ficasse bem perto de mim.
E segurasse forte a minha mão. 
Afinal ele sabia...
não tenho mesmo toda essa coragem.
 
 
 
 
Solange Maia

sexta-feira, 28 de março de 2014

Que saudade...


Na solidão na penumbra do amanhecer.
Via você na noite, nas estrelas, nos planetas,
nos mares, no brilho do sol e no anoitecer.
Via você no ontem , no hoje, no amanhã...
Mas não via você no momento.

Que saudade...


Mário Quintana

segunda-feira, 24 de março de 2014

Encapsularam minha libido?


Artigo publicado na revista Istoé noticia a chegada de quatro novos medicamentos para aumentar o prazer sexual feminino e introduz a matéria, anunciando que "uma em cada duas mulheres brasileiras sente que seu desejo sexual não é tão intenso quanto ela gostaria, não fica tão excitada quanto esperava ou enfrenta dificuldades para chegar ao orgasmo."

Penso que o tema seja espinhoso sob o ponto de vista do real interesse dos laboratório$ para avançar neste mercado promissor da sexualidade, como revela a equação acima. Esse deveria ser nosso primeiro olhar sobre qualquer produto desenvolvido para o setor, isto pra não falar diretamente em desconfiança.

Reconhecendo que inegavelmente existam casos de distúrbios físicos que interfiram na libido feminina, seguirei achando que é em número ínfimo a quantidade de mulheres que tenham problemas nesta área decorrentes de alguma causa física. Até que provem o contrário, seguirei acreditando que contra a falta de conhecimento do próprio corpo + admiração do parceiro - dentro e fora da cama-, não inventarão pílulas mágicas capazes de fazer sentir e manter o desejo.

 
A propósito disso, aliás, vários foram os relatos que ouvi de mulheres casadas ou em relacionamentos longos, que deixaram de sentir prazer com seus parceiros, achando que era um problema físico seu. O curioso foi quando o desejo, de forma mágica, acordou de uma espécie de coma induzido pelo inconsciente, e se viu desperto, fogoso e voraz, perdido sob novos lençois num emaranhado de braços e pernas, entorpecido pelo cheiro e gosto de um outro homem. Desejo safado, esste. Foi aí que muitas delas deram adeus ao autoengano fundado na expectativa de um diagnóstico físico - que, aliás, jamais foi buscado, quanto mais devidamente sacramentado pela caneta de um profissional da saúde.
 
É por nada não, mas isso não é apologia à traição - na acepção física-, nem desmerecer relacionamentos longos, iniciados na juventude. É apenas dizer da natureza humanamente humana - pois, hipocrisia negar que será feito um prêmio da loteria casar cedo, manter-se na mesma relação por anos a fio e sentir tesão por este mesmo homem 'ad eternum'.
 
Leva-se muito tempo para conhecer o próprio corpo e a dinâmica de nossa sexualidade. Portanto, menos culpa e mais conhecimento sobre os elementos do 'start do desejo' antes de escolher com quem passar anos da vida. Sexo não é tudo numa relação, mas que sem ele é complicado e que a cumplicidade nesta seara faz mais felizes os pares, isto é inegável.

 


Texto de Maria Janice Vianna
Blog Humana Mania
 
Link para a matéria da Istoé, publicado em 17.01.2014.




domingo, 23 de março de 2014

Nocturnamente



Nocturnamente te construo
para que sejas palavra do meu corpo

Peito que em mim respira
olhar em que me despojo
na rouquidão da tua carne
me inicio
me anuncio
e me denuncio

Sabes agora para o que venho
e por isso me desconheces

 



Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'

sábado, 22 de março de 2014

Olhos ilegais



Nessa aventura
Nossos olhos são dengosos demais, demais
Que não se consolam, clamam fugazes
Olhos que se entregam, olhos ilegais...





Ilegais
Música de Vanessa da Mata 

sexta-feira, 21 de março de 2014

vida




... na verdade esta vida só tem dois encantos: o previsto e o imprevisto.




Mário Quintana

sexta-feira, 14 de março de 2014

Beber Toda a Ternura



Não ter morada
habitar
como um beijo
entre os lábios
fingir-se ausente
e suspirar
(o meu corpo
não se reconhece na espera)
percorrer com um só gesto
o teu corpo
e beber toda a ternura
para refazer
o rosto em que desapareces
o abraço em que desobedeces



 


Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'

quinta-feira, 13 de março de 2014

Pergunta-me


Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer






 



Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'

terça-feira, 11 de março de 2014

Saudade





Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo tua sombra, teu desejo
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'

segunda-feira, 10 de março de 2014

domingo, 9 de março de 2014

A Demora

 

O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.


 



Mia Couto, in " idades cidades divindades"

sábado, 8 de março de 2014

Sou só uma e sou tantas...


Tantas, sou só uma e sou tantas
Sou devassa e sou santa
Recatada e vulgar

Louca, tão centrada e tão louca
Degustando em tua boca
As delícias de amar

Me respeita e me abusa
Me ame como quiser
Simples demais ou confusa
Sou simplesmente mulher
#




Simplesmente Mulher
Música de Silvia Machete

sexta-feira, 7 de março de 2014

Beijo




Não quero o primeiro beijo:
basta-me
o instante antes do beijo.

Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.

O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.

Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.





Mia Couto

quinta-feira, 6 de março de 2014

Amei-te sem saberes



No avesso das palavras
na contrária face
da minha solidão
eu te amei
e acariciei
o teu imperceptível crescer
como carne da lua
nos nocturnos lábios entreabertos

E amei-te sem saberes
amei-te sem o saber
amando de te procurar
amando de te inventar

No contorno do fogo
desenhei o teu rosto
e para te reconhecer
mudei de corpo
troquei de noites
juntei crepúsculo e alvorada

Para me acostumar
à tua intermitente ausência
ensinei às timbilas
a espera do silêncio

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'

quarta-feira, 5 de março de 2014

Deliciosa ilusão



"Talvez o amor não passe de uma deliciosa ilusão que se realiza em momentos sagrados, raros. Quando ele acontece é aquela felicidade imensa, aquela certeza de eternidade. Ah! Como os apaixonados desejam sinceramente que aquela felicidade não tenha fim! Mas o amor, pássaro, de repente bate as asas e voa... Brincando, faz tempo, eu sugeri que um casamento que se baseasse no amor teria de ser efêmero - porque o amor é sentimento, e os sentimentos não podem ser transformados em monumentos."


- Rubem Alves, em "Retratos de amor". Campinas/SP: Editora Papirus, 2002.



terça-feira, 4 de março de 2014

Diz o Meu Nome



Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'

segunda-feira, 3 de março de 2014

domingo, 2 de março de 2014

Lonjuras


Até os teus vazios me visitam.

As entrâncias do teu peito
Me penetram
E me embaraço no que sinto.

Mas quando a tua ausência se faz tarde,
Há um nada que arde e dói
E espezinha e sangra.

Como se a minha ternura
Fosse pura zanga.






Nara Rúbia Ribeiro

sábado, 1 de março de 2014

contágio




Feroz em nós uma paixão de novo
nos ameaça
nos faz vibrar, o sangue flui
sobe no rosto
de repente a gente fica
disposto a tudo
e tudo é pouco
não importa que essa loucura
não tenha alívio
a gente muda, respira de outro jeito
arfa no peito sempre uma pressa
sempre aquela vontade
sozinha fico metade
depressa me abraça, uma saudade
que dói, uma coisa que arrebenta
e não se agüenta mais.

A  gente se entrega ao risco
arrisca a pele, perde o rumo
no prazer dessa desorientação
A gente quer explodir e não pode
quer se conter e não sabe
quer se livrar do jugo da paixão
mas não quer que ela acabe.


Bruna Lombardi
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